Durante a campanha de 2022, Ciro Gomes disse seguidas vezes que Bolsonaro era o resultado dos malfeitos de Lula e do PT no poder. É uma análise plausível, porém incompleta. O crescente antipetismo na sociedade brasileira foi, durante anos, mal representado pelo PSDB e finalmente encontrou em Bolsonaro o seu hospedeiro, com a agressividade e violência que os antipetistas exigiam. Mas o antipetismo, por si só, não explica o bolsonarismo. É só uma de suas vertentes.
Bolsonaro já existia na política desde 1990, viabilizado eleitoralmente por militares que viviam no Rio de Janeiro, e que o reelegeram durante 28 anos. Em 2015 militares saudosos da ditadura e antipetistas radicais decidiram se casar numa igreja evangélica (não se sabe se com separação de bens ou não) e dali em diante caminharam de mãos dadas rumo a 2018.
Diferente do que ocorreu na Argentina, aqui a ditadura militar nunca recebeu um desfecho digno. Seguindo a velha tradição brasileira de “deixar como está para ver como fica”, viramos a página antes de terminar de ler e entender esse capítulo triste de nossa história. Raymundo Faoro apontava que, em vez de tomar o lugar da ditadura, a Nova República a absorveu para dentro de si. Bolsonaro é fruto direto disso e, quase 40 anos depois, não surpreende que ainda estejamos aqui, estagnados debaixo da nuvem do golpismo fardado.
Depois do famigerado 8 de janeiro de 2023, parece não haver mais dúvidas sobre a urgência do tema: precisamos desbananizar as Forças Armadas. E aqui me refiro a uma desbananização completa. Primeiro, retirar os milicos da influência dos dudus bananinhas e, segundo, cortar de uma vez por todas os viagras e próteses penianas que excitam nossos coronéis e generais para o golpismo bananeiro latinoamericano.
Retirar os militares da política não é uma tarefa fácil, exige um esforço contínuo, e até didático. Para ilustrar melhor isso, encerro com a argumentação final do promotor Julio Strassera, responsável pela condenação dos militares na Argentina (vejam no filme Argentina, 1985):
“Nós, argentinos, tentamos obter a paz baseando-nos no esquecimento, e falhamos… Tentamos buscar a paz por meio da violência e do extermínio do adversário, e nós falhamos… A partir deste julgamento e da sentença que defendo, temos a responsabilidade de fundar uma paz baseada não no esquecimento, mas na memória, não na violência, mas na justiça. Quero usar uma frase que não me pertence, porque já é de todo o povo argentino. Juízes: ‘Nunca mais.’”