Quem é do ramo das charges, caricaturas e quadrinhos sabe que a missão de ocupar o lugar que foi de Paulo Caruso por décadas é altamente intimidadora. Ele e seu irmão Chico são referências inescapáveis para qualquer cartunista das gerações que vieram depois.
Paulo Caruso possui um dos trabalhos mais marcantes e importantes da imprensa ilustrada brasileira. Passou por Veja, Isto É, Careta e Senhor, inovou com sua série “Avenida Brasil”, em que misturava charge com história em quadrinhos (mistura que me influenciou muito e que experimentei em dois dos três livros da Trilogia).
Mas o seu trabalho mais longevo – e pelo qual ele era mais conhecido – era mesmo no Roda Viva. Por 35 anos, ele teve esse encontro marcado toda semana com o público, ao vivo, pela TV. Era fascinante ver que não era só a mão dele que era veloz nas produções. Era de raciocínio também. Criar piadas gráficas ali na hora exige um domínio completo das duas habilidades.
Encontrei-o pessoalmente algumas vezes. Dos quatro livros dele que possuo em meu acervo, dois estão autografados e todos estão atualmente fora de catálogo (alô, editoras!).
Apesar dos autógrafos e encontros, nunca chegamos a conversar de verdade, a ponto de partir para o campo das ideias, mas nas poucas palavras que trocamos, ele sempre foi simpático e acessível.
A última vez que o vi foi exatamente um ano atrás: início de junho de 2022, no Bar Balcão, no bairro do jardins, tradicional ponto de encontro de jornalistas e artistas em São Paulo. Eu o vi passar rápido quando estava indo embora (era início da madrugada). Hesitei. Quando pensei em ir lá falar com ele, ele já tinha sumido.
Enfim, após um artista desse calibre ter nos deixado, a TV Cultura poderia simplesmente ter fechado o posto, alegando que ninguém poderia substitui-lo – e ela não estaria errada nesse argumento.
Porém seria mais um duríssimo golpe na arte de caricaturar e chargear, uma vez que a sociedade digital está mais interessada nas lacrações imediatistas dos memes, enquanto que e os cartunistas costumam ser os primeiros a serem cortados dos quadros de colaboradores dos jornais que ainda restaram.
E simplesmente fechar este posto do programa nem seria o pior cenário possível. Já pensou se, para se “modernizar”, a produção colocasse no lugar vago um sujeito para gerar memes de rede social ao vivo? Um “memeiro” vandalizando o legado de Paulo Caruso… só de imaginar, essa imagem me aterroriza.
O Roda Viva pode ser um programa decano, não possui o formato e a agilidade exigidas pelos tempos atuais – e isso não deve, de forma alguma, ser encarada como um demérito. Muito pelo contrário: se tem algo que está faltando na sociedade digital são debates sérios e reflexão.
Portanto, o diferencial do programa é justamente suprir essa carência e seguir sendo uma das últimas arenas de livre debate no país. Um lugar onde o público pode refletir sobre os grandes temas nacionais e formar sua opinião.
Claro que a audiência é importante e todo programa precisa disso, mas se ela for buscada a qualquer custo, pode-se até ganhar em números, mas perde-se em prestígio. Nenhuma decisão é fácil.
Por isso, agradeço duplamente à produção do Roda Viva: primeiro, pelo convite, claro, mas principalmente, por manter este importante espaço para os cartunistas mostrarem seu trabalho.
Mas quero também registrar meu agradecimento póstumo ao Paulo Caruso, por ter sido essa grande inspiração. Na minha variada gama de influências, ele e o Chico são as mais fortes quando se fala em charge e caricatura política.
Viva, Paulo Caruso! Espero que eu e todos os colegas estejamos fazendo justiça ao seu legado.