Um dos temas mais recorrentes em conversas com amigos é sobre algoritmos e redes sociais. Nessas conversas, abro o coração para falar de minhas aflições com essa sociedade hipnotizada pelo imediatismo extremo e por essa lógica perversa de medir as pessoas pelo número de seguidores que ela tem. Mas nada de autocomiseração. Brinco que tenho me especializando em conteúdos anti-engajamento, e revelo como faço para “domar” o meu algoritmo.
Na verdade, o problema nem é o algoritmo em si: é o que ele está programado para fazer e, principalmente, os resultados que entrega. Parecia uma ideia genial automatizar e personalizar tudo, para atender ao gosto individual de cada pessoa que vive neste mundo, certo? Mais do que genial: era irresistível. Não havia motivo para desconfiar que, em pleno século 21, não deveríamos ir atrás disso. E lá foi a humanidade em busca de seu destino.
No Youtube, meu algoritmo é direcionado basicamente a vídeos de bandas e artistas que gosto, porque esses são os vídeos que deixo minha curtida lá. Vídeos sobre outros assuntos eu posso até ver, mas nunca curto. Assim eu não direciono o algoritmo e, dessa forma, eu o mantenho preso numa coleira. O algoritmo não faz juízo de valor, ele apenas recebe as coordenadas e direciona. Parece brilhante…
… Mas e quando a pessoa passa a desejar ou incitar a morte de alguém? E se a pessoa passar a achar que vacinas não funcionam e devem ser evitadas? E se a pessoa concluir que a democracia não serve mais e passar a defender golpe de estado e ditadura? E se a pessoa passar a simpatizar com ideologias extremistas e violentas? E se a pessoa passar a acreditar que a terra é plana?
Pois é. O algoritmo entrega conteúdos para tudo isso e ainda faz novas recomendações para muito mais.
Na maioria das vezes, mais do que entregar o que as pessoas gostam, o que as mantém mais engajadas nas plataformas é o que elas temem e odeiam. É aí que o algoritmo começa a ganhar vida própria, passa a dominar a pessoa e a jogá-las em bolhas. Lá elas encontram acolhimento, podem compartilhar suas aflições e… curtir. Curtir muito, pois dentro da bolha, várias outras pessoas com algoritmos igualmente viciados curtem as mesmas coisas. Ali são feitos os “chamados para a luta” contra qualquer coisa (seja real ou imaginária).
É por isso que estamos vivendo um período histórico tão perigoso. O ser humano simplesmente não pode ter tudo o que quer. E quando digo “tudo o que quer”, não me refiro só ao que o dinheiro pode comprar. É sobre a possibilidade de cada um ter sua “verdade” personalizada pelo algoritmo. À medida que você vai clicando, o algoritmo não te entrega contrapontos que te fazem pensar, ele é programado para te entregar uma ideia pronta, justamente para que você não pense.
Essa “personalização da verdade” foi o ovo da serpente. Era questão de tempo para que o contrato social fosse rasgado e o lado mais cruel e desumano das sociedades pudesse se manifestar. O ChatGPT é apenas o passo seguinte, e essa nova Inteligência Artificial conseguiu assombrar até o Elon Musk, que sempre foi chegado numa megalomania. E já que John Connor ainda não deu as caras por aqui, chegou a hora de nos perguntarmos se devemos mesmo seguir em frente ou se devemos dar um passo atrás e reavaliar.
Mas voltando sobre o meu “flop” nas redes sociais, eu vejo a coisa toda com bom humor. Se você, como eu, for considerado um “flopado”, desses que repelem o algoritmo, existe uma boa chance de você ser chamado de “chato”, ou “cansativo”, algo assim. E provavelmente é tudo verdade (kkkkk: precisamos rir disso), mas, por outro lado, pode significar que você está mirando algo mais profundo, algo que vai exigir tempo e reflexão do leitor — um tempo q ele não tem e uma reflexão que ele não quer fazer (ou pior, tem medo de fazer).
Hoje, não produzo charges, tirinhas e textos desejando que um robô me recomende. Tudo o que você vê aqui é fruto de observações que faço e depois decido transformar em desenho e/ou texto. Melhor ainda é publicá-los num site com cara de “blogão raiz” e cujas redes sociais não passam de franquias deste site, um modelo que soa pré-histórico e absurdo aos escravos do imediatismo.
Se eu decidir produzir algo pensando no que o algoritmo pode ou não recomendar, minhas criações não partem de um lugar genuíno. Neste caso estarei atendendo a uma “demanda”. Nada de errado com isso, mas hoje eu tenho outra linha de trabalho e não posso (e nem quero) ficar logado o dia todo seguindo “trends” e pensando em como posso usar isso para engajar outras pessoas. Como diria o sábio Roger Murtaugh, I’m too old for this shit.
Então, se eu posso me dar ao luxo de virar as costas para o algoritmo e ir embora, por que não? Por que não exercitar a criatividade e produzir apenas artes que gosto e que me inspirem? Escapismo, alienação, egoísmo… Pode chamar do que quiser. Eu chamo de diletantismo — e me sinto na obrigação de recomendá-lo a você. É realmente libertador.
Se você chegou até este site, e conseguiu ler este texto até o final, é porque, provavelmente, você também deve ser um “flopado” — com todo o respeito. Não se sinta mal por isso. Estou aqui para ajudar. Sabe aquela coisa de aceitação? Então, esqueça as curtidas e o número de seguidores. Futuramente as pessoas se darão conta que essa métrica é maligna e só ressalta o lado mais individualista, narcisista e autoritário do ser humano.
A chave para virar o jogo é entender que ser um “flopado” não é uma fraqueza: na verdade, é uma força, porque aí você fica dispensado de se estressar com números de seguidores, curtidas, engajamento, etc. A outra dica é: quando for postar nas redes, posta, faz logooff e vá fazer suas tarefas do dia. Não fique monitorando nada e não fique contando curtidas. A vida aqui fora é mais feliz.
E seja bem vindo(a) ao Clube dos Flopados!